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O papel da Atenção Primária à Saúde no enfrentamento da covid-19

27/01/2021

Foto: Paula Bittar - Nucom/Saps/MS

ENTREVISTA

A Atenção Primária à Saúde (APS) é mais do que a principal porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), ela também é o centro de comunicação com toda a rede de atenção do sistema. É lá que as Equipes de Saúde da Família ofertam um conjunto de ações e estratégias, individuais e coletivas, que abrangem a promoção da saúde das pessoas e a prevenção de agravos. Não por coincidência, a APS tem lugar de extrema importância no enfrentamento da pandemia da covid-19, desde os primeiros sintomas. 

Diante do quadro de emergência, entrevistamos o secretário de Atenção Primária à Saúde, do Ministério da Saúde, Dr. Raphael Parente, que há duas semanas apoia e acompanha presencialmente os desdobramentos da atenção feita em Manaus. Ele fala sobre como a APS pode responder à sociedade e que tipo de serviços/estratégias pode oferecer para a continuidade do cuidado às pessoas durante o período, assim como para o atendimento precoce diante dos primeiros sintomas da gripe universal. 

1) O Brasil tem um dos maiores sistemas de saúde universal do mundo, ancorado em uma extensa rede de Atenção Primária em Saúde, com Unidades Básicas de Saúde (UBS) que procuram responder ao contexto de emergência pública. Que posição estratégica essas unidades e as equipes nelas atuantes  assumiram com a pandemia?

As Equipes de Saúde da Família e as Equipes de Atenção Primária têm uma ação de base territorial. Elas conhecem a população de perto e, com base disso, conseguem identificar as vulnerabilidades de cada região, para uma ação singular de cuidado à sua população. Por isso, o trabalho que acontece na APS, sob a perspectiva da Estratégia Saúde da Família, é basilar e potente diante da conjuntura da pandemia. Foram necessários diversos reajustes na estrutura do atendimento da APS, que precisou se adaptar para assegurar a saúde de seus profissionais e dos pacientes, assim como foi necessário que as equipes se reorganizassem por ações de educação para a prevenção do contágio, da infecção e reinfecção. Elas precisaram, ainda, se adaptar para fazer o diagnóstico de casos novos por meio de testagem e para ofertar testes rápidos, além de monitorar casos para encaminhamento necessário a outros níveis de atenção, um dos grandes papéis da APS na Rede de Atenção à Saúde, a fim de evitar agravamento e maiores complicações, incluindo óbitos. 

2) Qual é o papel dos gerentes de atenção primária nesse contexto? 

O gerente é um agente-chave, com atuação resolutiva no dia a dia das UBS. Como organizador e coordenador dos processos de trabalho das equipes, deve atuar para garantir um acolhimento adequado, uma atuação profissional resolutiva, tanto em relação aos cuidados de prevenção e cuidado aos casos positivos quanto para a oferta da vacina. Ele é o responsável por alinhar processos de trabalho em meio à crise sanitária, seja na oferta de serviços da unidade de saúde ou no acolhimento, sendo capaz de proporcionar segurança e bem-estar à população diante desse contexto tão delicado. Agora que a vacina contra a covid-19 renova as esperanças no País, com intensa movimentação do Governo Federal, dos estados e dos municípios para vacinar suas populações, as unidades de saúde, sob a coordenação desses profissionais, têm toda a expertise para também apoiar a campanha de imunização, ainda que neste primeiro momento os hospitais sejam designados como pontos de vacinação. Também é de atribuição da gerência traçar estratégias para efetivar e colocar em prática os princípios do SUS, tanto com a equipe local quanto com a comunidade, além de traduzir fundamentos políticos, como o que diz a Política Nacional da Atenção Básica, em práticas concretas nos serviços de saúde. 

3) Quais são os limites da atuação da Atenção Primária à Saúde diante das dificuldades já existentes na rede de atenção à covid-19?

O cuidado das pessoas neste contexto de pandemia envolve toda a articulação da Rede da Atenção à Saúde, que não se resume à APS. É necessária uma comunicação entre os diferentes níveis para que se tenha uma resposta efetiva e eficiente para o cuidado das pessoas, e a APS representa o centro de comunicação com toda a rede. A atuação das Equipes de Saúde da Família é crucial em todos os estágios da pandemia, mas há algumas limitações, como as ações articuladas entre essas equipes e a Vigilância em Saúde no contorno da covid-19. São ações que requerem profissionais sensibilizados, prontos para refletirem o papel da Vigilância em Saúde, da participação social e da ação da comunidade para o enfrentamento dessa pandemia. Com a questão do distanciamento social e a precarização das vidas sociais e econômicas, existem outros problemas que transbordam na APS, como os transtornos mentais, as violências domésticas, o alcoolismo e o agravamento de condições crônicas. Isso tudo requer e exige cuidados integrais longitudinais. É necessário o desenvolvimento de ações intersetoriais e, além de tudo, estratégias que garantam a continuidade das ações de promoção, prevenção e cuidado da saúde. Isso significa dizer que não adianta termos uma APS efetiva se não temos acesso aos serviços hospitalares nos casos intermediários e graves que forem identificados, por exemplo. É necessário que toda a rede funcione integralmente, não só a rede da APS, mas também a rede da atenção especializada. É um momento, portanto, que exige novas configurações para os processos de trabalho das equipes, junto, inclusive, com a população, para exercitarmos a solidariedade e fortalecermos as redes. 

4) O senhor tem oferecido destaque às pautas voltadas para a saúde da mulher e da criança durante a sua gestão. A APS tem investido no atendimento de grupos prioritários? Como a Atenção Primária tem cuidado das gestantes, por exemplo?

As ações da APS são diversas e direcionadas para vários grupos populacionais. Essas ações vão desde a publicação de inúmeros instrumentos técnicos para orientar os trabalhadores de saúde e gestores municipais, responsáveis diretamente pelo atendimento da população, até a publicação de portarias para aprimoramento da qualidade dos serviços da APS, contemplando repasse de recursos de investimento. Alguns dos grupos prioritários atendidos são as populações ribeirinhas, a população privada de liberdade e a população em situação de rua. A Saps também tem trabalhado com um enfoque especial ao atendimento qualificado das gestantes na APS para diminuir as taxas de mortalidade materna no País. A secretaria tem atuado lado a lado com o Conasems e o Conass na sensibilização dos gestores municipais sobre a importância do acompanhamento dessas gestantes e demais grupos prioritários. Isso vem sendo feito por intermédio de incentivos financeiros focados na melhoria do desempenho da APS no âmbito do Programa Previne Brasil, de apoio técnico na organização dos serviços e fluxos de trabalho e de publicações e cursos de formação para capacitar melhor os profissionais de saúde e orientar os gestores para realizarem o cuidado. Em 2020, a Saps investiu R$ 259,8 milhões em ações de apoio a gestantes e puerpério saudáveis, além de R$ 258,5 milhões no apoio à estruturação e adequação de maternidades. Também foram investidos R$ 318,4 milhões para o cuidado às populações vulneráveis, como idosos, por exemplo.

5) O Ministério da Saúde deu início à campanha de vacinação contra a covid-19 no Brasil com a distribuição das doses a todos os estados brasileiros. Qual é o papel da APS durante o período de vacinação, vez que será feita nas próprias unidades de saúde?

As ações de imunização compõem o conjunto de atividades de prevenção desenvolvidas pelas equipes de atenção primária. Além das atividades nas salas de vacinas, nas campanhas nacionais as equipes de atenção primária atuam em postos de vacinação organizados especificamente para essa importante ação de vigilância, responsabilizando-se pelo armazenamento e condicionamento adequado dos imunobiológicos, pela administração e peloo registro. E esse cuidado não se encerra na vacinação com as orientações pertinentes, estende-se ao monitoramento e tratamento de possíveis eventos e reações adversas.

6) Queo apoio o Ministério da Saúde tem dado aos municípios durante essa pandemia?

O MS tem dado todo o apoio, tanto em nível estadual quanto municipal, e isso em conjunto com o Conass e o Conasems, por meio de notas técnicas, de videoconferências com todos os estados, de repasse de recursos, e por meio de diversas outras ações para a qualificação e capacitação dos profissionais de saúde. O MS tem ofertado aos municípios todo esse apoio, mas é importante salientar que eles precisam também ter a sua rede municipal e regional organizada. O gestor municipal tem sua responsabilidade, contando com o MS para apoiá-lo, para dar as diretrizes, para fazer a coisa acontecer, com portas abertas a todos eles. 

7) Temos acompanhado a ida de representantes técnicos da APS para Manaus. Que tipo de suporte tem sido enviado ao estado no campo da atenção primária?

A Saps acaba de publicar edital do Programa Mais Médicos para o Brasil específico para a capital amazonense. Além da disponibilização de 108 vagas, vamos credenciar novas equipes de Saúde da Família e equipes de Atenção Primária, com um investimento de R$ 1,3 milhão por mês. Estamos, eu e minha equipe, há duas semanas em Manaus, verificando in loco as principais necessidades da capital, que tem, atualmente, 341 equipes implantadas em 155 unidades de saúde custeadas pelo MS. Estamos aqui para reforçar e aumentar os atendimentos nos postos de saúde, o que é fundamental para conter a transmissibilidade do coronavírus e para tentar diminuir o agravamento dos casos. Para além da APS, o ministério também tem feito, de forma inédita no mundo, a transferência de pacientes infectados pela covid-19 para outros estados com leitos e insumos disponíveis, na expectativa de salvar mais vidas. 


Fonte:Secretaria de Atenção Primária à Saúde